02/11 - Gardaland


Hoje foi dia de sentir ainda mais agudamente a passagem do tempo, de oferecer o olho para que o envelhecimento desse nele sua mais escarrante e catarrenta cuspida, e de sentir pena de mim mesmo pela juventude já tão distante e pela covardia de seguir sobrevivendo a mim mesmo, morando cada vez mais num corpo crescentemente decrépito, porque a alma, esta excreção de neurônios já tão velhos, já foi pro espaço faz tempo.
Como tradicional em minhas cada vez mais escassas viagens de férias, tenho acrescentado uma  maratona, um parque de diversões e uma missa ao roteiro (porque avaliar o frescor e a crocância do corpo de cristo sempre é importante). Cumprida e primeira e ainda devendo a terceira, hoje foi dia da segunda coisa. Ir lá ser aquele tiozão ridículo, de barbas literalmente brancas, de pé na fila e andando na montanha russa com a molecada, questionando desesperadadamente minha trajetória existencial que de tempos em tempos me coloca de volta neste mesmo lugar, e não fazendo coisas de gente grande, como terminar aquele doutorado inútil ou começar a cuida da próstrata, coisa que eu já devia estar fazendo há uns 10 anos.



Logo cedo e, não poderia ser diferente, embaixo de chuva, afinal era minha única oportunidade na vida, então tinha que estar chovando, partimos para Gardaland. O mapinha do lugar é um inferno artístico difícil de decifrar, os brinquedos não têm fachadas muito marcantes, então as entradas são difíceis de achar, e o tempo perdido com o dedo na boca, procurando as coisas, é grande, mas ter chegado cedo nos permitiu umas três primeiras voltas praticamente sozinhos nos brinquedos. A partir daí, foi aquele inferno, não ladeira, mas montanha russa abaixo. Lá pelo meio-dia, a fila para uma voltinha de 30 segundos durava uma hora e dez. Ao lado da criançada que insistia em fumar desabridamente, mesmo embaixo de cartazes que proibiam esta prática, inclusive maconha. Sou um defensor pouco entusiástico de sua liberação, como ocorreu aqui na Itália há dois anos, mas vai dar nisto, mais fumaça ainda sendo soprada na cara da gente. Esta última, até que gostosinha.



Às duas da tarde, e a partir daí até o final, adivinhem, mais chuva! Ensopando a batata frita comprada a título de almoço, oferecendo a oportunidade de, durante a volta no brinquedo, senti-la não apenas verticalmente, como de praxe, mas também horizontalmente, batendo no rosto a 120 km por hora, com medo de uma gota ir parar lá em cima da retina se atingisse o olho com jeito.


Mas aí eis que, a partir daí, sei lá se por um estranho hábito de pagar 40 euros, preço cheio, ficar umas três horinhas no parque e ir embora, ou se por causa da infame chuva, algo muito estranho começou a acontecer. Assim como descobrir que aquela moça alta e com os dedos longos que puxou papo com você na fila do supermercado lhe oferece a surpresa de um algo a mais assim que baixa suas saias, e então aquela inesperada excrescência lhe preenche lugares e vazios que até aquele momento você sequer imaginava que existiam e estavam ociosos, também parece que como efeito colateral da chuva o parque foi esvaziando, e lá pelas quatro da tarde, as filas que antes duravam mais de hora estavam durando uns dez minutos, e, mais uma vez nesta viagem, deu para inesperadamente bater a meta: 23 voltas nos brinquedos, para 32,50 euros pagos, ou 7 reais por volta. Bastanta razoável! 


Ah, e neste parque minha proverbial náusea de gente grande na montanha russa não me afligiu como em outras recentes vezes. Provavelmente porque existir já tem me enjoado tanto que desenvolvi alguma espécie de tolerância. As montanhas russas continuam tendo o mesmo poder de despertar na gente nosso veado interior: basta aquela coisa despencar lá de cima e é impossível reprimir o gritinho que brota lá de dentro de nosso ser. E eu passei longe de seu o único tiozão na fila, ainda que os outros tios estivessem lá para acompanhar seus filhos enquanto eu acompanhava somente minhas células neoplásicas e/ou diverticulares.

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